A segunda edição do FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos
(22/09 a 2/10/2016)
Este ano o Festival Literário Internacional de Óbidos elegeu como tema a Utopia, em homenagem aos 500 anos do livro de Thomas More. A discussão da utopia, ou de utopias e distopias, norteou, assim, suas mesas literárias, exposições, filmes e palestras.
As atrações principais das mesas literárias, com curadoria do angolano José Eduardo Agualusa, foram os escritores V. S. Naipaul, Prêmio Nobel de Literatura em 2001, e Salman Rushdie, vencedor do Man Booker Prize em 1981.
A mesa literária com V. S. Naipaul, entrevistado pelo jornalista português José Mário Silva, contou com tradução simultânea, quase desnecessária diante das respostas monossilábicas de Naipaul às perguntas que lhe eram dirigidas. Avesso a entrevistas, Naipaul muitas vezes pedia a seu interlocutor que reformulasse as perguntas, ou lhe dirigia respostas embaraçosamente curtas e surpreendentes, circunstância acirrada pelo seu atual estado de saúde e dificuldade de concentração. Finalmente, sua esposa Nadira Naipaul, eloquente jornalista paquistanesa, sentou-se à beira do palco e passou a dialogar com o entrevistador e o público a respeito da obra do escritor e sua trajetória, com muitas informações interessantes (e extremamente bem humoradas!) acerca dos temas por ele focalizados, sua relação conflituosa com a Índia e suas fontes de inspiração.
Salman Rushdie, que se notabilizou pela repercussão de sua obra talvez mais polêmica, “Versos Satânicos”, que lhe rendeu, em 1989, uma fatwa decretada pelo aiatolá Khomeini, atraiu enorme público à sua mesa literária, mediada pela jornalista Clara Ferreira Alves.Rushdie discorreu sobre sua vida em Nova York, onde se estabeleceu há mais de dez anos, sobre sua obra, em especial o mais novo livro “Dois anos, oito meses e vinte e oito noites” (ou 1001 noites!) e sobre os desafios do mundo atual face ao embate entre razão e fé e o recrudescimento do terrorismo. Com muito humor comentou também sobre o uso que faz do Facebook e do Twitter e sua paixão pela série de TV Game of Thrones. Paradoxalmente, sua mesa, que teve de ser transferida da Tenda dos Autores para a sala de concertos em razão da grande afluência de público, não contou com tradução simultânea, tendo decepcionado aqueles que não têm completo domínio do inglês. Um problema de organização que não deveria ocorrer num Festival Literário que se pretende internacional.
Quanto à participação de autores brasileiros no Folio, cabe destacar a brilhante discussão entre Bernardo Carvalho e a jornalista Alexandra Lucas Coelho em torno do tema “Revoluções necessárias nos nossos dias”, questão atual no mundo e no Brasil, diante da intolerância crescente exposta na imprensa e mídias sociais por manifestações exacerbadas de cunho fascista, racista e xenófobo.
O Folio Folia, com curadoria de Anabela Mota Ribeiro, abriu com concerto em homenagem ao compositor brasileiro Edu Lobo, com interpretações de suas canções ao gosto brasileiro e lusitano, nas vozes de seu filho, Bernardo Lobo, e da cantora portuguesa Marta Hugon. Beatriz, em especial, recebeu versão linda e surpreendente de Marta.
O Folio Ilustra, cuja curadoria pelo segundo ano foi atribuída a Mafalda Milhões, homenageou a ilustradora alemã Jutta Bauer, vencedora do prêmio Hans Christian Andersen de 2010. Ao lado de uma deliciosa instalação interativa na Galeria Ogiva, Jutta conversou com pais e crianças sobre sua obra, em especial o livro “A Rainha das Cores”, apresentado também sob a forma de animação
O Folio Ilustra organizou ainda, no dia 1 de outubro, um animadíssimo Mercado Ilustrado, feira de ilustradores, autores e contadores de histórias, em pleno Largo de São Pedro. A Oca asbl participou do Mercado com a apresentação do livro “Catarina e o lagarto”, de Katia Gilaberte. O lagartinho Aniceto conquistou os corações do público e também de José Eduardo Agualusa, com quem posou para fotos!
Outra bela exposição do Folio +– num ano pontuado por lagartos! – foi a dedicada ao livro infantil “O Lagarto”, do prêmio Nobel português José Saramago, ilustrado como um grande cordel pelo pernambucano J. Borges.O livro foi incorporado ao acervo da biblioteca do Oca.
Outros encontros de interesse tiveram como tema o racismo, a utopia lusotropicalista, a construção de um romance histórico e os novos rumos das literaturas sul-americanas, este último com a participação dos escritores Juan Paulo Vilalobos (México) e Luiz Ruffato (Brasil).
Em relação à primeira edição do Folio, o Festival deste ano contou com uma presença menor de autores brasileiros, angolanos e moçambicanos. O Festival carece ainda da presença dos principais autores portugueses – inexplicavelmente ausentes das duas edições – e de uma logística de difusão e acesso mais eficiente. Mas um balanço geral aponta para um futuro promissor.
Em suma, o Folio deste ano foi uma grande Utopia literária e um local de encontro privilegiado entre o público e os autores.
Até o ano que vem!