Dra Christiane Amorim
Originaria de Fortaleza a médica veterinária com mestrado em reprodução animal e pós-doutorado em crio-preservação e transplante de tecido ovariano humano , trabalha no laboratório de ginecologia da Université Catholique de Louvain (UCL),
Dra Christiani , vem desenvolvendo, desde 2007, um trabalho de pesquisa em crio-preservação e transplantação de tecido ovariano para pacientes com câncer. Se der certo, a descoberta pode ser uma grande esperança para muitas mulheres e até mesmo meninas que tiveram câncer quando pequenas. O objetivo é restabelecer a fertilidade nas pacientes que tiveram seus ovários comprometidos por causa dos tratamentos de quimioterapia e/ou radioterapia. Alguns desses tratamentos causam menopausa precoce devido à destruição dos óvulos
Sou médica veterinária e tenho mestrado e doutorado em reprodução animal. Sempre trabalhei nessa área, de 1995 a 2007 em animais e desde 2007, quando vim para a Bélgica, trabalho em humanos. Vim para fazer meu pós-doutorado e acabei ficando.
Conte-nos um pouco do seu percurso até a chegada na Bélgica?
Estudei veterinária na Universidade Estadual do Ceará e meu mestrado e doutorado em reprodução animal, entre 1995 e 2005, foi realizado alternadamente entre a universidade de Santa Maria no RG sul e a universidade de …na Itália. Em 2005 voltei ao Brasil ,e estava trabalhando como assistente na universidade de Brasília durante dois anos ,esperando sair o concurso publico para professor quando vi o anuncio de pós doutorado na área de embriologia humana na Universidade de Louvain na Bélgica. Enviei meu CV ,fiz a entrevista e fui a escolhida para o cargo e vim para a Bélgica em 2007
Qual as diferenças e semelhanças principais do trabalho entre humanos e animais nessa área?
Minhas pesquisas iniciais eram voltadas para varias especies de animais, mas concentrei meus projetos em ovelhas cujo modele de ovários é um excelente modelo experimental para humanos, a transição ocorreu facilmente, e ainda pretendo voltar a trabalhar com esse modelo nos meus próximos projetos de crioconservação .A principal gratificação desse projeto em humanos é a possibilidade do restabelecimento de fertilidade no futuro ,em crianças (meninas) vítimas de tratamentos ( câncer em geral) que possam causar esterilidades no futuro.
Como aconteceu essa transição de ter trabalhado com animais e agora com humanos?
A transição ocorreu facilmente, sem nenhum problema. Tudo é muito similar e continuo trabalhando na mesma área que trabalhava antes com ovelhas. Inclusive, minha ideia é voltar a trabalhar com esse modelo para meus próximos projetos em crio-preservação.
Qual a principal diferença entre o que já existe hoje em termos de crioconservação de embriões e óvulos humanos e a sua pesquisa?
As técnicas de preservação atual de óvulos são dirigidas a mulheres, após a menarca ( primeira menstruação) por intermédio de estimulação ovariana, para as que podem postergar o tratamento anti câncer, por exemplo , e a de congelação de embriões, requerem um ovulo já fertilizado por um parceiro, o que impede a utilização a técnica em meninas jovens ,crianças que por ventura não tenham ainda menstruado. Saber que um dia essas meninas, podem estar curadas do câncer ,e possam ter uma vida normal quando adultas e possam gerar filhos, graças ao trabalho que fazemos no laboratório, só confirma a escolha que fiz em trabalhar com humanos, e redobra meu interesse no que faço. Estudo também um outro projeto de criação de um ovário artificial que tento desenvolver uma matriz onde possamos colocar os folículos ovarianos, que isolamos do tecido ovariano congelado,que poderiam privilegiar crianças com câncer sistêmico, como a leucemia pois os folículos estão protegidos da invasão de células cancerosas.
Quantas mulheres já beneficiaram de sua pesquisa?
No momento, o que tenho feito ainda é experimental e não foi aplicado em humanos. Mas daqui a poucos anos começaremos a aplicar meu método de crio-preservação Tudo isso depende dos resultados que estou esperando com os experimentos com babuínos, no Quênia. A ideia é também daqui a alguns anos começar a fase pré-clínica para testar meu ovário artificial.
É melhor trabalhar com humanos ?
Sim e, além disso, é muito gratificante. Minha pesquisa é voltada especialmente para restabelecer a fertilidade em pacientes de câncer, principalmente crianças (meninas), já que as técnicas de preservação de fertilidade atualmente (crio-preservação de embriões e óvulos) não são permitidas a essas jovens pacientes, pois requerem um parceiro (no caso da crio de embrião) ou estimulação ovariana por meio de tratamento hormonal (pacientes que já menstruam e que podem adiar o tratamento anti-câncer).
Saber que um dia essas meninas ficarão curadas do câncer e ainda por cima poderão uma vida normal, com seu período, seu desenvolvimento corporal comparável às suas amiguinhas e ainda poderão gerar filhos graças ao trabalho que fazemos no laboratório, só confirma a escolha que fiz em trabalhar com humanos e redobra meu interesse no que faço.
Todos as pacientes que tiveram câncer podem receber o ovário?
Infelizmente em algumas pacientes não podemos transplantar o ovário que foi congelado por causa do risco de reintrodução de células cancerosas. Isso é o caso de cânceres sistêmicos, como a leucemia. Para essas pacientes (principalmente crianças) ainda não temos uma solução para restabelecer a fertilidade. Então, meu outro projeto principal é criar um ovário artificial, onde venho tentando desenvolver uma “matrix” onde poderemos colocar os folículos (estruturas celulares que abrigam os óvulos) que isolamos do tecido ovariano congelado. A ideia é transplantar esse ovário artificial apenas com os folículos, que são estruturas protegidas da invasão de células cancerosas.
Você pretende continuar a viver e trabalhar na Bélgica e porque?
Dois anos após minha chegada eu conheci meu companheiro Manuel Baptista) aqui em Bruxelas , que é português mas vive na Bélgica a 22 anos, e em 2010 nasceu meu filho Lucas e hoje eu acho que minha vida vai seguir aqui . Manuel tem outros 2 filhos que moram aqui na Bélgica também ,de um primeiro casamento . Hoje a melhor solução para todos é continuarmos aqui unidos pelo amor e criando nosso filho perto de seus irmãos. Quanto ao trabalho o concurso de professor que au pretendia fazer no Brasil só foi efetuado em 2009 e eu nessa época estava gravida e não participei, minhas pesquisas são ligadas a universidade aqui e pretendo continuá-las hoje estou esperando alguns resultados de experimentos feitos com babuínos no Quênia. E a ideia é daqui a alguns anos começar a fase pré clinica para testar meu ovário artificial.
E como foi sua adaptação inicial a Bélgica, alguma dificuldade a nos relatar?
A única dificuldade que encontrei aqui foi do ponto de vista dos serviços administrativos, existe muita má vontade nos serviços comunais de nos receber , mesmo que venhamos exercer um trabalho que também é importante para Bélgica ,a infinidade de dificuldades burocráticas , e erros de informação são cansativas para qualquer um que chegue aqui na Bélgica. No trabalho eu nunca enfrentei dificuldade de me comunicar e ser aceita.
Qual a sua língua de comunicação na bélgica aprendeu alguma delas aqui?
Eu quando cheguei falava apenas português e inglês e era suficiente para a relação de trabalho. Hoje eu falo francês também e como atualmente habito numa região flamenca estou inclinada a aprender o neerlandês esse ano
Suas relações sociais na Bélgica são frequentes com brasileiros belgas etc?>/p>
Eu tenho amigos de varias nacionalidades minhas relações são em geral mundialistas tenho amigos brasileiros, portugueses, austríacos, belgas
A equivalência do seu diploma se deu automaticamente?
A minha equivalência do doutorado foi fácil ,eu enviei minha tese e ela foi aprovada nenhuma dificuldade na área acadêmica. Já meu diploma de veterinária nunca foi reconhecido, e eu pensei que seria automaticamente
Quanto ao Brasil alguma dificuldade em relação ao seu trabalho?
As dificuldades que eu enfrentei no Brasil foram referentes a minha orientação de tese no passado hoje a minha ideia e oferecer aos estudantes brasileiros que chegam aqui uma outra visão da pesquisa, diferente das que eles tem visto .Muitos estudantes de doutorado realizam seu PhD na mesma instituição em que se formaram e praticamente não tem nenhuma vivencia em outros laboratórios, principalmente em um país diferente . Hoje felizmente isso esta mudando quando um estudante vai para uma instituição diferente em outro país, é confrontado com uma realidade completamente diferente e isso o força a crescer, a questionar seu trabalho, seu projeto etc. Alem disso há o aprendizado de novas técnicas, de novas rotinas, interação com estudantes com projetos similares. Eu fiz parte do meu mestrado e doutorado na Itália e com isso me aperfeiçoei e aprendi bastante, então incentivo a todos a passarem por isso.
A Sra. tem recebido estudantes brasileiros para trabalhar em suas pesquisas. Como funciona isso?
A ideia é oferecer uma outra visão da pesquisa, diferente da que eles têm visto desde então. Muitos estudantes de doutorado realizam seu PhD na mesma instituição que se formaram e praticamente não têm nenhuma vivência em outros laboratórios, principalmente em um país diferente. Quando um estudante vai para uma instituição diferente, em outro país, é confrontado com uma realidade completamente diferente e isso o força a crescer, a questionar seu trabalho, seu projeto etc. Além disso, há o aprendizado de novas técnicas, de novas rotinas, interação com estudantes com projetos similares. Eu fiz parte do meu mestrado e doutorado na Itália e profissionalmente falando foram os períodos mais importantes da minha vida porque aprendi e me aperfeiçoei bastante. Então, incentivo sempre os estudantes a passarem por isso.
Você gostaria de colaborar, ou ter mais relações com pesquisadores brasileiros?
Foi difícil no inicio convencer ao meu antigo chefe a aceitar estudantes brasileiros. Eu demorei bastante a conseguir recebê-los, a primeira vez foi em2011, no momento estamos com o segundo estudante brasileiros e a ideia é que em 2014 eu receba mais outros e ainda uma professora da UNB para fazer um projeto conosco. Estou sempre divulgando bolsas de cooperação e tenho sempre as portas abertas para quem quiser vir trabalhar conosco. No entanto o fluxo não é alto porque alem de ser uma área restrita, muitos estudantes brasileiros não dominam bastante o inglês o que torna dificulta o intercambio.
Você voltaria a morar no Brasil?
Hoje eu não penso nessa possibilidade principalmente por causa da violência das cidades brasileiras ,que ainda me assustam muito, acho mais fácil criar meu filho aqui, eu me sinto mais protegida e mais segura, aonde eu moro ele poderá até brincar na rua se quiser, sem que eu mora de medo disso.