Quando era adolescente sempre tive o sonho de morar fora… Cheguei a fazer o passaporte, mas o projeto de ir para a Espanha gorou e fiquei somente sonhando por falta de grana. Um dia fiquei sabendo que minha irmã viria morar na Europa, mais precisamente na Bélgica. Fiquei de uma certa forma com ciúmes, ou mesmo inveja por ela ter realizado meu sonho antes de mim, mas a inveja era branca …. Continuei com aquele vidinha de sempre no Brasil e minha irmã aqui em Bruxelas..Depois de onze meses aqui, ela resolveu voltar ao Brasil definitivamente. O planos dela não deram certo, ela pediu dinheiro ao nosso pai e simplesmente foi à uma agencia e comprou nossas passagens. Quando cheguei do trabalho ela me avisa que estávamos de passagem marcada para 15 dias mais tarde. Tive que me desfazer da minha vida em menos de 15 dias. Pedir demissão mesmo contra a vontade da patroa, que disse que eu me arrependeria desta decisão tão maluca. Eu disse que precisava do acerto pois tinha que pagar umas contas antes de viajar, mas que achava que no máximo em 3 meses estaria de volta. Cheguei aqui e fiquei doente, com crises asmáticas. Isso somente confirmou os planos que eu tinha em mente: ficar aqui 3 meses no máximo. Consegui com o namorado árabe de uma amiga um consulta com o médico e comprei os remédios. Logo depois minha irmã, meu melhor amigo que na época morava conosco e eu, decidimos mudar para um apartamento um pouco melhor, apesar de bem mais longe de onde morávamos. Lá as coisas pareciam melhorar, com muita dificuldade consegui encontrar emprego como servente de pedreiro(coisa que nunca havia feito antes). trabalhei uma semana e no final descobri que o patrão havia fugido com o dinheiro de cliente, de volta à estaca zero. Neste momento pensei que era o fim, sem dinheiro, sem trabalho, minha irmã mal estava dando conta de pagar o aluguel e comprar comida. Cheguei à passar duas semanas comendo em dias alternados, o próximo estágio seria morar na rua… o que felizmente nunca aconteceu. Alguma coisa aconteceu na minha cabeça naquele período… Pensei: bom, agora que todas as portas todas se fecharam, não havia outra possibilidade senão começarem a se abrir. Coloquei meu destino nas mãos do ‘cara lá de cima’ …!!! Para nosso desespero um fato muito triste aconteceu… perdemos nosso querido e amado pai no Brasil. Era como se o céu estivesse conspirando contra nós…. Minha irmã então decidiu voltar ao Brasil para ver as coisas dele pela última vez. Comecei então à ir trabalhar com ela nas faxinas, onde ela explicava o ocorrido e dizia que eu a substituiria durante a viagem dela ao Brasil. Na volta à Bélgica ela decidiu se casar e fiquei trabalhando no lugar dela, e foi à partir daí que minha vida melhorou, consegui ganhar dinheiro e conheci aquele que seria o homem da minha vida. Muita coisa melhorou depois disso e hoje me sinto em casa neste país das cervejas, chocolate e batatas fritas… e percebo que minha patroa estava errada… não me arrependi da minha tão maluca decisão. O que deveria ser POR 3 MESES, acabou sendo definitivo… Perguntas ( negrito) Algum fato marcante na infância ou na adolescência? -Sim, perdi minha mãe as 17 anos e isso foi muito marcante na minha vida, pois tive que assumir responsabilidades mais cedo do que deveria. Mas consegui colocar em pratica o que ela e meu pai me ensinaram e percorri meu caminho, tropeçando nas pedras e evoluindo cada dia mais. Esse fato teria alguma relação com a migração? -Não, sai do Brasil quase dez anos depois. Você trabalhou no Brasil depois de que idade? – Comecei aos 15 como office-boy. Algum trabalho ou profissão especifica la? – Não, fiz de tudo um pouco, mas nada específico. E aqui na Bélgica? Alguma ligação entre as duas? – Nenhuma, aqui fiz um curso de turismo e ainda hoje trabalho nesta área. Alguma sensação ruim ou boa aqui em relação a ser estrangeiro? Ainda se sente estrangeiro? – Eu diria que não. Claro que existem momentos desagradáveis onde me olham com olhares desconfiados devido a minha semelhança com árabes. Mas nada exagerado. Pelo fato de falar dois dos três idiomas oficiais, pude me integrar mais facilmente. Isso em muitos momentos me proporciona elogios e fico muito orgulhoso.